quarta-feira, 9 de novembro de 2016

COMO UM NEGRO, POBRE E GAY DECIDE SER LIBERAL?


Isso ofende os ricos de esquerda! Todo negro tem de ser vítima!Há realidades novas no país que não estão sendo percebidas pelas esquerdas e pela imprensa. Acordem, Carolinas! O mundo passa na janela, e só os partidários de Chico Buarque não veem

Setores da imprensa tentam esmagar aquilo que não entendem. Fazem pouco caso do que está fora da caixinha confortável dos seus preconceitos. E o Movimento Brasil Livre é o alvo principal desse rancor. Entendo o desconforto. Não é todo dia que se lida com jovens com uma bibliografia razoavelmente maior do que a da maioria dos jornalistas que, em tese ao menos, deveriam explicá-los ao leitor. Aí, sabem como é… Em vez de entender o que se passa na realidade, tarefa de um jornalista, melhor chamar a fonte de “otária”.

Kim Kataguiri, 19 anos, a face mais visível do MBL, irrita muita gente, já percebi — sobretudo porque mobiliza um número infinitamente maior de admiradores. É inteligente, carismático e sabe ser engraçado. Renan Santos, 31, um jovem notavelmente articulado e informado, provoca a fúria dos imbecis. E, mais do que os dois, há outro líder do MBL que leva os pançudos de esquerda a ter borborigmos estertorosos. Falo de Fernando Silva Bispo, conhecido por Fernando Holiday. Ele tem 18 ou 19 anos.

O rapaz é dono de uma retórica poderosa. Já o tinha visto na Internet. Eu o conheci pessoalmente no dia 29 de novembro. Participei de um papo sobre liberdade de imprensa no Primeiro Congresso do MBL, que reuniu umas 400 pessoas do Brasil inteiro.

Um jornalista chegou a ligar para Renan para fazer uma “reportagem”. Primeira pergunta: qual era a percentagem de negros do encontro? Segunda pergunta: “Vocês estão ganhando dinheiro vendendo Pixulecos?”. Nota: naquele dia, o MBL há havia feito oficinas e discutido em vários grupos de trabalho, entre outras miudezas, configuração do estado brasileiro, programas sociais e distribuição de renda, reparação social e cooptação política…

Renan mandou o repórter ir pastar e disse que tinha mais o que fazer. Adiante.

Fernando Holiday é negro, gay e pobre. Mora na periferia. A mãe é auxiliar de enfermagem, e o pai é garçom. O garoto fala com uma fluência e com uma clareza como raramente vi. Fez naquele dia 29 uma síntese dos trabalhos do Congresso impressionante. Ele pensa bem. Ele fala bem. Ele é senhor de si.

“A esquerda que governou este país só sabe reclamar, só sabe se vitimizar. Mas eu quero dizer que eu, como negro, como pobre, como homossexual, não me vitimizo. Eu venho aqui, eu vou a qualquer lugar, porque eu quero lutar, eu quero alcançar o meu sucesso, não me rastejar atrás do estado.”

Pois é… Como conviver com isso, não é mesmo?

Não! O fato de Fernando ser negro não o torna nem mais nem menos habilitado intelectualmente para falar de cotas. O fato de ser gay não o torna nem mais nem menos habilitado intelectualmente para falar de diversidade sexual. O fato de ser pobre não o torna nem mais nem menos habilitado intelectualmente para falar das políticas de distribuição de renda.

Fernando fala sobre cada uma dessas coisas como indivíduo que está no mundo, debatendo políticas públicas, e não aceita que o condenem a um nicho da militância. Afinal, os jornalistas branquinhos da esquerda chique aprenderam que gente como ele tem é de estar em movimento social do PT. Que ousadia um negro pobre e gay ser aquilo que eles próprios não são: um liberal!

O rapaz dá um nó na cabeça da turma. Afinal, eles são esquerdistas pensando justamente em pessoas como Fernando. É um horror que um negro gay e pobre não deixe os branquinhos de boa consciência esmagá-lo com a sua mão piedosa! É um absurdo que um negro gay e pobre não vá procurar a proteção de Guilherme Boulos, o branco bem-nascido de esquerda, que vai render os seus ditos sem-teto aos pés de Dilma na quarta-feira.

Caramba! Essa gente toda gostaria de ensinar Fernando a ser um bom negro, um bom gay e um bom pobre.
Há algo de profundamente novo e auspicioso no país quando Fernando Holiday fala. E há algo de profundamente errado com a imprensa quando não percebe isso.

Eu me despedi de Fernando naquele domingo assim: “Eu quero votar em você para vereador, pouco importa o partido em que você esteja”. Nem sei se ele tem um. Nem sei se vai se candidatar. Mas eu gostaria muito de votar nele.

Acordem, Carolinas! O mundo está passando na janela, e só os partidários de Chico Buarque não veem.

Reinaldo Azevedo
 

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