Falamos com o único órgão humano dedicado única e exclusivamente a dar prazer, e que é exclusivo do gênero feminino
(artigo publicado originalmente no El País em 04/02/2014)
Apesar de ter um nome universal, o mesmo em quase todas as línguas, esta parte da anatomia feminina tem sido a grande desconhecida; e é até mesmo perseguida culturalmente. Por estar parcialmente escondido, o seu protagonismo tem sido menor que o de seu homônimo masculino, o pênis. Contudo, o clitóris parece disposto a fazer-se ouvir e a conquistar o seu trono. A indústria dos brinquedos eróticos começa a considerá-lo e, recentemente, a ciência permitiu que o visualizássemos em toda a sua extensão e em 3D. Agora que o universo catódico nos deu uma lição de história sobre a importância do orgasmo clitoridiano (graças a Virginia Johnson e Bill Masters em Masters of Sex), conversamos com o clitóris para averiguar um pouco mais sobre este grande desconhecido.
Você é o único órgão humano encarregado única e exclusivamente de dar prazer e, no entanto, não tem sido reconhecido como merece. Isto é mais uma prova da tendência masoquista do ser humano?
O pênis tem muitos monumentos, uma corrente artística, quase um gênero — o fálico. A mim, foram feitas poucas estátuas, e deveria ser exatamente o contrário. O meu trabalho é totalmente altruísta e desinteressado. E, apesar disso, sou também o único órgão que deve pedir asilo político. Em alguns países cortam-nos a cabeça, e isto as próprias mães fazem com as filhas. Imagine-se um lugar onde fossem cerceadas as orelhas às crianças ao chegarem à puberdade! Seria uma loucura, mas com a gente continua acontecendo.
Imagino-o ressentido com a vagina, que lhe tirou ao longo da história todo o protagonismo…
O que se pode esperar de uma sociedade tradicionalmente machista e puritana?! A penetração vaginal tem uma função reprodutora, e a ordem durante séculos foi “crescei e multiplicai-vos”. Eu, ao contrário, não trago filhos ao mundo. Muita gente ainda identifica o órgão sexual masculino com o pênis, e o feminino com a vagina. Mas não, senhor. Sou eu. A vagina é muito menos sensível. Quando ainda ouço a diferença entre orgasmo vaginal e clitoridiano, começo a rir. Todos os orgasmos passam por mim. Os da vagina não são senão uma estimulação indireta da minha pessoa. Poder-se-ia dizer que sou como um iceberg, mostro apenas uma parte muito pequena de mim, a outra se ramifica por toda a pélvis.
E o que me diz do famoso ponto G?
Sim, vá lá, montou-se um marketing com esse halo de mistério que o rodeia e que flutua entre a realidade e a lenda. Mas a cada dia nascem mais pontos, o A, o U. Todo um alfabeto. De minha parte, vejo o ponto G como um plano B. Não é senão uma estimulação indireta de mim. A ciência ainda tem muito a descobrir a respeito. Ultimamente, começa-se a falar do complexo uretra-clitóris-vagina, uma zona de estimulação erótica e sensorial muito potente que ainda está por descobrir.
Os orgasmos que algumas mulheres podem experimentar manipulando os seios também passam por você?
Sempre se falou de uma ligação entre o mamilo e o clitóris, um fiozinho que une esses dois pontos e que algumas mulheres conhecem tão bem. Especialistas da Universidade de Rutgers, nos EUA, criaram em 2011 um mapa cerebral do prazer sexual feminino. Através de escâneres, os pesquisadores puderam identificar as áreas do cérebro implicadas na excitação dos genitais femininos. Os resultados, publicados no Journal of Sexual Medicine, revelaram que a estimulação do clitóris não é a única que ativa o córtex sensorial, como se pensava, mas que estimular a vagina, o colo do útero ou os mamilos também desencadeia respostas cerebrais. O biólogo Barry Komisaruk, principal autor do estudo, explicava ao diário argentino Perfil: “O inesperado foi que a autoestimulação do mamilo ativa as mesmas áreas cerebrais que a região genital anima”. O que explica que algumas mulheres possam chegar ao orgasmo somente com a masturbação dos seios.
A ciência não esteve muito interessada em você ao longo da história; de fato, sua anatomia completa foi vista pela primeira vez em 1998, graças aos estudos de imagem por ressonância magnética realizados pela uróloga australiana Helen O’Connell.
E faz somente quatro anos que os pesquisadores franceses Dr. Odile Buisson e Dr. Pierre Foldès criaram a primeira ultrassonografia completa em 3D do clitóris estimulado. Eu digo que nunca houve lá muito interesse em mim. Freud afirmou que eu era um pênis inacabado, e que a mulher que experimentava prazer apenas comigo não havia madurado o bastante. Só em minha parte externa possuo umas 8.000 terminações nervosas, o dobro que as do pênis, e estas se comunicam com mais outras 15.000 na região pélvica.
Entretanto, os estudos de Masters e Johnson deram-no a conhecer ao grande público, e até contribuíram para desenvolver um novo tipo de feminismo.
Sim, eles descobriram uma sexualidade feminina independente do coito com os homens. Os achados científicos sobre mim demonstravam que se podia prescindir do homem. “Com frequência a mulher não fica satisfeita com uma única experiência orgástica”, disseram Master e Johnson em seu livro A resposta sexual humana. As feministas mais radicais ficaram bem contentes com esses descobrimentos porque demonstravam a superioridade sexual da mulher, a qual, além de tudo, era multiorgástica. Enquanto isso, os conservadores viam o orgasmo clitorídeo como uma ameaça à heterossexualidade. Sem ir tão longe, nem ser tão apocalíptico, a verdade é que, graças a esses descobrimentos, muitas mulheres reformularam suas relações sexuais e começaram a tomar as rédeas de sua vida erótica. Posso presumir a minha contribuição ao feminismo.
Diz-se que você que aguenta melhor o passar do tempo que o pênis.
Muitas mulheres experimentam a sua plenitude sexual na maturidade, aos 40 e tantos, mas não é de todo certo que eu aguente o tempo tão bem. O meu mecanismo é muito similar ao do órgão masculino. Tenho ereções e ejaculo — às vezes da maneira masculina — e, como o pênis, sou um corpo cavernoso, e afetam-me a hipertensão e a diabetes. Os anos não me favorecem; o que ocorre é que muitas mulheres me descobrem tarde, e só então começam a me disfrutar, a viciar-se em sexo e a tentar recuperar o tempo perdido.
E o que me diz da sua fama de lento, de necessitar de mais tempo, de que se doure mais a pílula para começar a se pôr a trabalhar?
O que demora mais: fazer um frango empanado villeroy ou colocar uma pizza pré-cozida no forno? As coisas boas se fazem esperar, e o que chega rápido se vai ainda mais depressa. De todo modo, isso também é um mito. Um estudo realizado pela Universidade McGill, de Quebec, no Canadá, dirigido pelo Dr. Irv Binik, demonstrou que não existe diferença na quantidade de tempo que ambos os sexos requerem para alcançar o seu máximo nível de excitação. Binik e a sua equipe valeram-se da termografia, medindo a radiação, em termos de temperatura, que emitiam os genitais dos sujeitos da pesquisa enquanto contemplavam diferentes imagens, pornográficas ou não. Tanto os homens quanto as mulheres começavam a sentir excitação nos primeiros 30 segundos. Isso demonstra que, se estimulada adequadamente, a mulher pode chegar ao orgasmo tão rápido quanto o homem, mas, realmente, interessa correr tanto?
O problema parece ser que você é bastante esquisitinho, e encontrar o que lhe apetece não é tão fácil.
O que tem havido é muita incultura e desconhecimento. Se até muitas mulheres não estão muito familiarizadas comigo, que vamos pedir aos homens? Há aqueles que me ignoram totalmente e se dedicam a fazer espeleologia vaginal. Há os que, tão logo me veem, arremetem contra mim sem piedade e de forma bruta, isto me assusta e me retraio, pois sou bastante tímido. Abundam os que se creem especialistas com a boca e, em vez de lamber-me com cuidado, parece que estão fazendo a minha ablação. E depois estão aqueles que sabem me satisfazer, ainda que não se possa dizer que sejam uma legião. Peço apenas um pouco de tato e delicadeza, mas aí novamente criaram de mim uma fama que não mereço, a de não-me-toques. Como se o pênis também não tivesse os seus rompantes e os seus fracassos.
Como se deve tratá-lo então, para que se sinta à vontade?
Como merece uma parte da anatomia tão delicada e sensível. Para estimular a mulher, há que se começar a tatear as zonas erógenas secundárias, para em seguida ir às primárias. Uma vez na zona genital, eu devo ser o último a tocar. Deve-se iniciar pelo monte púbico, lábios maiores, menores, o espaço entre eles, para depois começar a tocar-me, primeiro indiretamente e, após, já diretamente. Às vezes será preciso retirar um pouco o capuz que me cobre. Gosto das lambidas e das sucções, mais lentas ou rápidas, e intercalando o ritmo. Cada mulher tem as suas preferências. Algumas vezes, abordar-me pela retaguarda é mais prazeroso que de frente. E uma ducha, bem dirigida, pode ser muito estimulante.
Tenho entendido que você gosta muito dos brinquedos, e que as vibrações o estimulam.
Sim, são como borbulhas de champanhe, e é preciso dizer que ultimamente quem mais se importa comigo é a indústria dos brinquedos eróticos. Quase todos os vibradores têm agora seus estimuladores do clitóris, cada vez mais anatômicos e sofisticados. Isto para não falar daqueles desenhados especialmente para nós. Meu empresário está buscando um patrocinador para mim e, por enquanto, não me foi permitido fazer publicidade, mas há verdadeiras maravilhas no mercado. Toda mulher deveria ter um pequeno kit de sobrevivência para as épocas de vacas magras e descobrir que, quando a colheita é ruim, também é possível ser autosuficiente.
No seu caso, o tamanho também importa?
Não para o meu perfeito funcionamento. E mais, se sou muito grande, acabo por complexar a minha dona, que vê a coisa pouco estética. O homem que tem um pênis grande, ao contrário, é muito orgulhoso dele. Ainda existem esses dois pesos, duas medidas.
O que me diz dos púbis depilados, é a favor ou contra?
Entre nós mesmos há diversos setores. Alguns preferem não estar rodeados de pelo, porque argumentam que assim são melhor localizados e que têm maior sensibilidade; mas também existem os da linha pró Mato Grosso, que defendem a naturalidade e o papel protetor da penugem dos genitais, que atua como barreira para evitar a entrada de vírus e infecções. Ter o púbis como o de uma atriz pornô exige a eliminação constante do pelo, causando a inflamação dos folículos pilosos e deixando feridas abertas microscópicas. Isto, combinado com o calor e o ambiente úmidos dos genitais, cria um caldo de cultura para as bactérias patogênicas. É uma questão de moda e, conforme li recentemente, já existem algumas defensoras do felpudo. Não me estranharia nada que voltasse a tendência dos genitais peludos. Muitas que fizeram a depilação a laser precisarão, nesse caso, recorrer aos postiços.
— Rita Abundacia
[tradução: Silvio Diogo]
[imagem: Laura Pacheco]
http://ditadosereflexoes.blogspot.com.br/2014/02/entrevista-com-o-clitoris-guardo-ainda.html
Pulseira folheada a ouro c/ borboletas coloridas
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