Recrutam-se prostitutas
Os cartazes em pontos de ônibus e postes da Rua Antônio da Veiga, próximo à universidade, anunciam a vaga. A promessa é de ganho mensal até R$ 2 mil. Experiência no ramo, pouco importa. O melhor horário é o comercial, quando a maioria dos clientes, casados, está disponível. Assim funciona o aliciamento de mulheres para prostituição em Blumenau. Para desvendar os detalhes da prática criminosa, uma repórter do Santa apresentou-se como candidata.
Como se estivesse em busca de renda extra, toquei a campainha da suposta casa de massagem, aos fundos de uma rua sem saída no Bairro Ponta Aguda. Uma mulata maquiada com sombra azul abriu uma fresta da porta e escondeu o corpo seminu.
– Oi, falei com vocês por telefone e vim para conversar sobre a vaga anunciada no cartaz – expliquei, referindo-me à folha A4 fixada em pontos de ônibus e postes da Rua Antônio da Veiga, em Blumenau, como a que ilustra esta página.
– A Cláudia não está, mas você pode entrar. Ela já deve estar chegando – disse ela, enquanto abria a porta completamente e revelava o corpo coberto apenas por uma lingerie.
Na sala úmida de paredes rosa e piso quadriculado em preto e branco havia mais três bonitas jovens, de salto alto, vestidas com calcinha e sutiã, protegidas do frio por um casaco. A mulata, as duas morenas e a loira foram recrutadas para a mesma função a que me candidatei: prostituta.
Enquanto eu esperava pela dona da casa e questionava o que as levou a trabalhar como garotas de programa, elas assistiam a um filme, conversavam e folheavam um catálogo de produtos de beleza. Pareciam não se importar em ser vítimas de um crime: o rufianismo, quando alguém tira proveito da prostituição alheia.
– Você já veio para ficar? – perguntou-me uma delas.
– Não, vim só para saber como funciona. Estou precisando de grana – respondi.
– Todas nós já passamos por isso. Mas é só ter a cabeça boa e saber que lá fora você é outra pessoa – argumentou a loira.
Estas garotas, quando cruzam a porta do sobrado azul, assumem seus verdadeiros nomes e têm vidas tradicionais, com marido, filhos, pai e mãe que nem desconfiam como elas ganham a vida.
– Lá fora, tenho minha casa, minhas atividades e digo que jamais faria isso – contou-me uma das morenas.
Entrevista
O dinheiro é o único motivo pelo qual abandonaram o emprego formal. Como prostitutas, faturam mais de R$ 2 mil por mês, como prometia o cartaz colado em um ponto de ônibus em frente à Furb, que anunciava a vaga. Mas para ter este valor no final do mês, cada uma precisa fazer 40 programas de uma hora. Dos R$ 100 pagos pelos clientes, elas ficam apenas com R$ 50 e o restante vai para a cafetina. Para ganhar R$ 10 a mais por programa, a garota precisa participar das chamadas “festinhas”, quando um cliente quer ser atendido por mais de uma menina ao mesmo tempo e não se importa em desembolsar R$ 220.
– E como é feito o pagamento?
– Você cobra do cliente antes mesmo do programa e entrega para a Cláudia. Ela paga no final do dia, no fim da semana ou a cada 15 dias. Mas se receber todo dia, tem que cuidar senão gasta tudo e acaba ficando sem dinheiro – orientou-me a loira.
– E como são as pessoas que vocês atendem?
Antes que minha dúvida pudesse ser respondida, uma loira de cabelos ondulados compridos e aparência de 45 anos chegou. Era Cláudia, a dona da casa, que foi logo dizendo:
– Bonita você, hein!
– Mas não tenho experiência.
– A gente até prefere. Tem menina que já vem com muita maldade. O importante é tratar bem o cliente.
A entrevista, que ocorria ali na sala mesmo, na frente das demais meninas, foi interrompida pela entrada de um carro no estacionamento. Por impulso, pulei do sofá, como fizeram as garotas, e também corri espiar pela janela de um pequeno cômodo anexo à sala. É o jeito que elas têm de identificar os clientes antes mesmo que eles toquem a campainha. Se é alguém que elas conhecem e não querem atender, ficam escondidas enquanto o cliente escolhe a jovem com a qual quer fazer sexo.
Descrição do cargo
Mas não era um cliente. O carro lá fora era da Vigilância Sanitária de Blumenau. Enquanto os fiscais conferiam alvarás e prazo de validade de bebidas, fui conhecer a casa. No andar inferior, além da sala, um banheiro e uma suíte. Em cima, mais três suítes e outros dois quartos. Depois do programa, a prostituta tem de limpar o quarto, trocar toalhas e lençóis. Mas não ganha um extra pela faxina.
De volta ao andar inferior, ouvi a Vigilância Sanitária orientar as meninas a fazerem, a cada seis meses, o teste de HIV.
– Se você vir trabalhar conosco, também precisará fazer – instruiu-me a cafetina – Que horário você pensa em trabalhar?
– Vocês atendem 24 horas por dia?
– Não, a casa funciona das 9h às 22h há 10 anos. Mas você pode trabalhar das 9h às 13h ou das 13h às 22h.
Para me convencer a ingressar na prostituição, acrescentou:
– Temos clientes muito bons, 90% deles são casados e vêm aqui para desestressar e relaxar. Eles ajudam a menina que está começando.
O local também atende casais, mas aceitar o programa com mulheres é uma decisão pessoal de cada prostituta.
– Você não precisa fazer, mas é uma forma de ganhar um pouco mais. No começo é estranho, mas depois você pega o jeito – disse uma das garotas, interferindo a dona do prostíbulo.
Polícia tem pouco efetivo para repressão
Atrair ou induzir alguém à prostituição, manter local para exploração sexual e aproveitar-se dos lucros da prostituição de outra pessoa são crimes. Mas a preocupação maior da polícia é com a relação desta profissão informal com o tráfico de drogas. O delegado Waldir César Padilha, que atua temporariamente na Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Blumenau, estima que cerca de 80% das pessoas que se prostituem usam drogas. Para fiscalizar as casas de prostituição, ele diz que falta efetivo:
– Nosso foco é verificar se há adolescentes sendo aliciadas ou exploradas sexualmente. Hoje, fechar casas de prostituição não é a prioridade. Se houvesse mais efetivo policial, poderíamos ampliar nossa atuação.
Hoje, a Delegacia da Mulher tem apenas um policial para investigação, o que obriga a elencar prioridades. Outra dificuldade apontada pelo delegado é que, em casos de rufianismo, quando há uma pessoa tirando proveito da prostituição alheia, é necessário que o explorado faça uma denúncia na delegacia, o que raramente ocorre:
– As mulheres adultas sabem o que estão fazendo. Elas negam que estão sendo exploradas, dizem que fazem apenas massagens.
Ministério Público recebe poucas denúncias
O Ministério Público também atua no combate ao aliciamento, rufianismo e mantimento de casas de prostituição. Sempre que alguém procura o órgão para fazer uma denúncia, o promotor de Justiça pede abertura de inquérito policial para investigar. Entretanto, o número de denúncias é baixo, explica a promotora da 2ª Promotoria, Maristela do Nascimento Indalencio:
– Existe certa condescendência da sociedade. As denúncias da existência de casas de prostituição e aliciamento são muito poucas.
Para Maristela, a preocupação com o assunto é extrema porque pode abrir caminho para a prática de outros crimes:
– Não havendo fiscalização em casas de prostituição, esses locais se tornam propícios à prática de tráfico de drogas, violência etc.
CLEISI SOARES - Jornal de Santa Catarina
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