sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ÁGUA - EXPORTAMOS MAIS QUE ALIMENTOS

Sustentabilidade - Mergulho nos negócios da água



Já pensou na água que exportamos junto com nossos produtos? Veja um mundo completamente novo. A água ainda não está no mesmo patamar de assuntos urgentes como a energia e o clima para a maioria das empresas, mas a questão parece estar fluindo lentamente. E essa conversa inclui dois conceitos que provavelmente entrarão para o vocabulário ecológico.

Um deles, "água virtual", ganhou notoriedade no mês passado quando seu mais importante patrocinador, o professor John Anthony Allan, do King"s College London e School of Oriental and African Studies, recebeu o 2008 Stockholm Water Prize. Allen cunhou o termo em 1993 para se referir à quantidade de água embutida na produção e comércio de alimentos e produtos de consumo. Uma xícara de café, por exemplo, tem 140 litros (cerca de 37 galões) de água virtual, quando se considera a quantidade de água usada para cultivar, produzir, empacotar e enviar os grãos. Um hambúrguer contém 2,400 litros (634 galões) de água virtual. (Prêmio Estocolmo para Água, 2008).




O conceito de água virtual (também conhecido como “água embutida” ou “incorporada”) representa mais do que interesse acadêmico. Enquanto as preocupações com água inundam um crescente número de regiões, a água embutida de produtos comuns oferece um entendimento útil sobre como os recursos de água são impactados pelo comércio no mundo. Por exemplo, explica como e o porquê países como os EUA, Argentina, e Brasil "exportam" bilhões de galões de água todos os anos – na forma de trigo e carne com intensa quantidade de água – enquanto outros como o Japão, Egito e Itália “importam” bilhões.


O conceito também poderia ser útil na política nacional de agricultura, tanto quanto a "energia embutida" tem ajudado políticos a entenderem que o cultivo e o processamento de milho para produzir biocombustíveis pode exigir uma quantidade maior e significativa de energia do que dar lucros (não que esse conhecimento tenha dissuadido políticos de apoiarem biocombustíveis com quantidade intensa de energia, claro). Além disso, ela pode se tornar um fator no preço de muita matéria-prima, caso os impostos sobre carbono ou sistemas de comércio iluminem produtos com quantidade intensa de energia e carbono, tais como o alumínio, vidro e plástico.





Há outras implicações. Os cálculos de água virtual, sem dúvida, levarão empresas, pessoas e outros a calcularem suas pegadas de água (water footprint), a medida completa de água embutida nos produtos que compram e atividades que fazem. E isso pode acelerar o interesse no que Peter Gleick, sócio fundador e presidente do Pacific Institute, chama de "caminho suave", uma abordagem muito mais integrada e sofisticada da água, nas quais diferentes tipos – potável, cinza, marrom etc. – são usados da melhor maneira, ao invés de usar água potável – que é da melhor qualidade, para lavar banheiros, regar o gramado etc.


No ano passado, numa entrevista, Gleick disse que as empresas compreendiam muito pouco sobre a água embutida em seus sistemas. Há muito pouco entendimento ou conexões de valia entre os negócios de água. Cada setor usa a água de um jeito ou de outro, mas para muitos negócios, ela representa um componente surpreendentemente grande na produção, tanto indireta quanto diretamente, na cadeia de fornecimento. Então, por exemplo, o setor de bebidas pode usar de 3 a 4 galões de água para produzir 1 galão de refrigerante, cerveja ou leite, mas, geralmente, é uma quantidade de água mil vezes maior usada na primeira parte do processo, talvez para cultivar o açúcar que vai no refrigerante. Da mesma forma, na indústria têxtil, é necessário água para fabricar o tecido, mas precisa de muito mais água para cultivar a fibra.




Testemunhamos cada vez mais exemplos em que, se as empresas não dão a devida atenção à água que é usada em sua produção, acabam recebendo surpresas desagradáveis. Quando uma comunidade local protesta contra o uso de sua água e acontece uma seca que afeta o fornecimento, ou quando tem um problema de contaminação da água que resulta na cassação da licença de funcionamento, por exemplo.

E Gleick continua: "Acho que o risco para as empresas é maior em alguns aspectos da água do que em relação à energia. A energia tem substituições. Pode-se substituir o petróleo ou eletricidade por
biocombustíveis ou energias renováveis. A água não dá para substituir."





Mudança de estratégia


A Coca-Cola sabe disso. E, por anos, tem entrado em conflito com ativistas, comunidades, entre outros, por causa do uso que faz da água – que, claro, é ingrediente fundamental de todas as suas bebidas. Em anos recentes, uma série de inovações antecipou a necessidade de uma estratégia mais abrangente da água no mundo. No final dos anos 90, começaram a adquirir marcas de água – sendo sua principal marca nos EUA a Dasani. Em 2002, a empresa enfrentou protestos na Índia devido ao alongamento de recursos de água subterrânea. Um ano depois, passou a se referir à qualidade e quantidade de água como um material de risco para seus negócios em seu U.S. Securities and Exchange Commission Form 10-K (Formulário 10-K da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) para investidores.

Em reação, a Coca-Cola "desenvolveu e continua a melhorar um dos mais sofisticados programas de gestão responsável de água no setor privado", de acordo com um novo relatório da Business for Social Responsibility(Download - PDF).. "A partir de março de 2008, nenhuma outra organização se comprometeu publicamente a alcançar a “neutralização da água” por todas as operações que se estendem por mais de 100 bacias subterrâneas no mundo todo."




A neutralização da água é uma idéia atraente na era dos compromissos com a neutralização do carbono e desperdício zero. Mas o recurso é um pouco diferente do carbono e resíduos: há uma quantidade finita de água, o que não acontece com os outros dois, e não há maneiras conhecidas de
substituí-la. Além disso, como a BSR ressalta:


“No que se refere à água, a verdadeira sustentabilidade envolve mais do que a "neutralização" do volume de água usada [pela Coca-Cola]. O motivo é que as flutuações na quantidade e qualidade de água disponível destinada a uma comunidade ou ecossistema têm um importante papel na sustentação da diversidade e no funcionamento adequado dos ecossistemas e bacias dos rios.”





A empresa se comprometeu a "estabelecer metas de uso eficiente de água para suas operações mundiais até 2008, a fim de tornar-se a mais competente entre as empresas do mesmo setor", e prometeu que, até 2010, devolverá toda a água usada nos processos de fabricação ao meio-ambiente, num nível que garanta a vida aquática e a agricultura."

Ação conjunta




O relatório da BSR aponta que, no ano passado, seis organizações – Twente University, WWF, Coca-Cola, World Business Council for Sustainable Development, Water Neutral/Emvelo Group e a UNESCO-IHE – juntaram-se para investigar os benefícios da neutralização da água como um importante marco. Os grupos criaram critérios para legitimar o uso do termo:

1. Definição, medição e divulgação das “pegadas de água”;

2. Realizadas todas as ações que sejam “razoavelmente possíveis” para reduzir as pegadas de água existentes em operações;

3. Harmonização das pegadas de água com resíduo (quantidade remanescente, após uma empresa fazer o possível para reduzir as pegadas), por meio de um “investimento razoável” ao estabelecimento e a projetos que priorizem o uso sustentável e igualitário da água.

4. Isso envolve mais do que alguns assuntos sentimentais – É preciso “começar,” definir investimentos razoavelmente possíveis. Por enquanto, espero, a barreira crescerá.





Isso pode funcionar? Será que a “água neutra" vai se tornar o próximo “Grande Projeto” no campo corporativo da eficiência dos recursos? Será que fará diferença em termos reais? É uma idéia em seu nascedouro, portanto ainda tem de ser vista. Porém, a tendência crescente das crises contínuas da água sugere que mais e mais empresas aprenderão sobre a “água virtual" e a "água neutra".

Nesse momento, acho que apenas algumas empresas – aquelas cujos produtos e reputação estão mais ligadas a recursos preciosos – estarão dispostas a mergulhar de cabeça.

Por Agenda Sustentável







Nenhum comentário:

Postar um comentário