Hoje, com a internet a
facilitar ainda mais a pesquisa, parece uma brincadeira de mau gosto que ainda
haja negacionistas do holocausto, mas eles existem.
O fenômeno do
revisionismo histórico teve uma figura de destaque no historiador inglês David
Irving. Autor de uma excelente biografia do general alemão Erwin Rommel e de um
relato sobre a destruição de Dresden por bombardeios aliados, Irving foi
desacreditado quando passou a sustentar que os campos de extermínio “não
existiram” e que Hitler “não sabia” que judeus, ciganos, poloneses e outros
indesejáveis eram sistematicamente exterminados. A questão foi parar nos
tribunais, e Irving condenado por “deliberada e persistentemente, baseado em
suas próprias convicções ideológicas, manipular e falsear evidências históricas
dos fatos”. No Brasil, o negacionista mais famoso é Siegfried Ellwanger. Seu
“Holocauso: judeu ou alemão?” é facilmente encontrado em sebos. Ellwanger
fundou uma editora antissemita, a “Revisão”, por onde propagava suas
repugnantes teses, segundo as quais o extermínio nazista seria a “mentira do
século”.
Teorias da conspiração,
como a de que a ida do homem à Lua foi produzida em um estúdio cinematográfico,
ou de que a terra é plana e tal “segredo” estaria sendo escondido pela NASA,
têm em comum a negação histérica da realidade, de fatos documentados e
realidades observáveis. É justamente por isso que se denomina tais crentes de
“negacionistas”: confrontados com provas e evidências abundantes e robustas,
contrárias à posição que defendem, mesmo assim jamais a abandonam, em uma
resistência quixotesca que é parte do, digamos, “show”. O negacionista é, antes
de tudo, alguém com o ego superdimensionado, capaz de acreditar que o mundo
inteiro produziu algumas das mentiras mais detalhadas, elaboradas e completas
apenas para esconder aquilo que ELES sabem. No caso dos terraplanistas, a coisa
chega a ser engraçada, e até meio ingênua. No caso do holocausto, o buraco é
bem mais embaixo.
É notável que, entre os
negacionistas do holocausto, não se encontre sequer um que, simultaneamente a
negar a realidade provada e documentada, não revele um evidente viés
antissemita e totalitário. Não há entre negacionistas do holocausto, por
exemplo, pesquisadores conhecidos pelo rigor e minúcia em seu trabalho, que
estejam preocupados apenas em corrigir inconsistências eventuais que possam
existir em documentos históricos. De profissionais que já foram renomados, como
David Irving, passando por aventureiros como Siegfried Ellwanger, até a
tuiteiros imberbes que repetem esse lixo para parecerem “perigosos”, o que une
os negacionistas é um tipo de sociopatia, um desejo de auto-representação
pervertido segundo o qual eles seriam “corajosos” por “desafiar” aquilo que é
amplamente aceito – e é amplamente aceito porque é verdade. Em realidade, o
negacionista do holocausto não está dizendo que nada daquilo aconteceu: o que
ele quer dizer é que pouco importa que tenha acontecido, aquelas pessoas,
afinal, mereciam isso. Como é muito simples dizer isso, o ultraje não pode
parar por aí: é preciso dizer que aquele sofrimento indizível não existiu, como
que para amesquinhar, diminuir a magnitude dos acontecimentos. Fazer pouco
deles, como se se estivesse falando de pisar em uma barata.
Certas idéias foram
postas, com muita justiça, na lata de lixo da história. O nazismo e o comunismo
são proibidos em lugares onde essas ideologias fizeram mais vítimas, como, por
exemplo, na Polônia e Ucrânia. Leis existem na Alemanha que proíbem a impressão
da suástica, pela indelével associação do símbolo com o nazismo e sua terrível
memória. A própria “Lei de Godwin”, antes de ser um lembrete para que o nazismo
não seja banalizado como referencial em discussões, marca a ideologia e os
fatos que ela gerou como marco simbólico de um pináculo de crueldade com que a
humanidade, até então, jamais havia imaginado. Tal qual urubus e hienas, no
entanto, há aqueles que reviram o lixo da história, e se refestelam nele, gritando
para que todos a sua volta olhem: o negacionista sente um prazer perverso em
defender o assassinato e a eliminação de seus semelhantes; ele é como o tarado
que se masturba no ônibus, se exibindo para os outros passageiros, imaginando
que eles estão gostando da cena grotesca.
Negacionistas do
holocausto, em sua imaginação atrofiada, já tentaram sequestrar a liberdade de
expressão e utilizá-la como escudo de suas atrocidades. Irving e Ellwanger
perderam. E eles devem, sempre, perder – porque a liberdade nunca servirá de
muleta para quem esteja interessado em eliminar e escravizar seus semelhantes.
Que seja sempre assim.
Parte do artigo de Thiago Pacheco é advogado, pós graduado em Processo Civil e formado em
jornalismo. Escreve no Implicante às quintas-feiras.
http://www.implicante.org/colunas/thiago-pacheco/thiago-pacheco-liberdade-de-expressao-criptonazismo-e-a-lata-de-lixo-da-historia/